O século XX caracterizou-se por intenso avanço científico e tecnológico. O homem desenvolveu artefatos e máquinas que foram se sofisticando e substituindo seus protótipos, sempre com o objetivo de facilitar, agilizar e melhorar a execução de tarefas. Os exemplos são vários. Se até pouco tempo as distâncias encurtaram graças ao avião, hoje pessoas de diferentes países podem se reunir em videoconferências. A automação das fábricas tornou obsoletas algumas funções, obrigando trabalhadores a procurar outros postos de trabalho, aumentar o grau de instrução e a se especializar. No campo também houve mudanças com a implantação de novas tecnologias. E mesmo nas guerras os mísseis de longa distância e as 'bombas inteligentes' (questionáveis em termos de eficácia por acertarem mais alvos civis que militares) aceleram os ataques e evitam deslocamentos de tropas.
Uma rápida observação da história recente permite concluir que a busca pelo poder carrega consigo a pressa de conseguir as coisas. Culturalmente, o antigo ditado "Devagar se vai ao longe", que traz a idéia de conquista e crescimento paulatinos, foi trocado por "Tempo é dinheiro", transformando o tempo em investimento, qual ação na bolsa de valores dos bem-sucedidos, e vendendo a idéia de que desperdiçá-lo leva ao fracasso. O tempo, essa categoria impalpável, está cada vez mais escasso na percepção utilitarista: a maioria das pessoas se queixa de que não tem tempo para nada e, ao mesmo tempo, não percebe que, por mais ilusão que tenha de que está fazendo muito, só consegue acumular desistências e adiamentos, em resumo, problemas _ afetivos, de saúde, financeiros.
Os psicólogos já estão diagnosticando a síndrome da pressa, distúrbio verificado em pessoas que sucumbem às pressões externas e se cobram demais; são incapazes de relaxar (se não têm nada para fazer, inventam algo) e nunca têm tempo para relacionamentos/amizades, ler um livro, arrumar a casa/o armário, cuidar da saúde/ir ao médico, fazer exercício/começar dieta, enfim, cuidar de si mesmas; enchem-se de compromissos e se culpam por isso, caindo num círculo vicioso e cultivando o estresse; dão excessiva importância a fazer coisas e esquecem os prazeres da vida. Pessoas que apresentam problemas de saúde difíceis de diagnosticar e mentem a si mesmas e aos outros sobre a qualidade de suas vidas (exemplos: eu não me alimento mal, almoço sempre que posso, o sanduíche tem alface; não preciso dormir oito horas; isso é só mal-estar, passa logo; vou começar dieta, ginástica, quando puder, agora não dá...).
Mas como não há hegemonia de pensamento e ação, a vida é plural e o ser humano tem a extraordinária capacidade de se reinventar, crescem os movimentos antipressa. Em 1989, foi criada, na Itália, a Slow Food International Association, cujo símbolo, muito a propósito, é um caracol. É, em resumo, uma reação às grandes cadeias de lanchonetes e ao fast food, o comer de pé alimentos com pouco ou nenhum valor alimentar, feitos e servidos em escala industrial, sem tempo para degustar ou fazer uma boa digestão, um protesto contra a massificação e a globalização de um tipo de comida, um chamado ao respeito pela culinária de cada região, não apenas de um país. É a celebração de cores, sabores, cheiros, enfim, de todos os sentidos do corpo e, por que não?, da alma, um ato de preparar e desfrutar a comida com amigos e família. A Slow Food está presente em mais de 80 países e conta com mais de 60 mil membros.
No rastro do sucesso do Slow Food, foi criado o Slow Cities, movimento preocupado com a qualidade de vida nas cidades. No Brasil, abraçaram esse modo de ser Antônio Pedro (na serra gaúcha) e Tiradentes (MG). Suas prefeituras baixaram normas para proibir o tráfego de veículos em muitas áreas, adotaram medidas para preservar o meio ambiente e promovem atividades para reanimar a cultura regional. Outros movimentos são o Slow Europe, que prega a slow attitude (algo como comportamento tranqüilo) em oposição ao do it now (faça já) americano; e o off-peak living (algo como vida fora dos horários de pico), implantado na Grã-Bretanha com o objetivo de aliviar o tráfego de carros e pessoas no metrô na hora do rush e a proposta de horários alternativos para serviços e negócios.
Talvez seja o momento de se pensar em algo como o Slow Thinking, um movimento que leve as pessoas a refletirem mais sobre a própria vida e também sobre o que as rodeiam, a desistirem de resultados imediatos e soluções prontas, a quererem que problemas originados em escolhas equivocadas se resolvam num passe de mágica, a pretenderem controlar o tempo a seu bel-prazer e viverem com prazos, a tomarem decisões precipitadas sobre questões importantes e mais adiante se depararem com as conseqüências e novos problemas. Depois da revolução científico-tecnológica faz-se necessário a revolução individual (espírito-mente-corpo), a revolução emocional do bem-viver sem enfoque no material, no ganho, seja de tempo ou dinheiro.